![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_264eeafae2ca4a98ac0605499cb15ea2~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_208,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_264eeafae2ca4a98ac0605499cb15ea2~mv2.jpg)
Seria mais dia comum, em que me programo para visitar um artesão em busca de novidades para a loja. Na minha rota estava uma parada na Olaria do Tatá, que já havia visitado algumas vezes para adquirir panelas e utensílios de barro.
Ao chegar lá, como de costume Tatá me recebeu na porta e me deixou a vontade para observar e separar peças das suas prateleiras. Logo percebi que uma luz linda entrava pelas janelas da olaria e, de longe, os alguidares me chamaram a atenção.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_e6ab99d86bf34dffb66b1135255332b1~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_104,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_e6ab99d86bf34dffb66b1135255332b1~mv2.jpg)
Por alguns instantes aquelas vasilhas circulares e cônicas com bordo virado me fizeram voltar no tempo. Havia ouvindo muitas histórias a respeito delas, histórias que me ensinaram a valorar o seu labor, a sua existência. Contaram-me que, antigamente, nelas lavavam-se roupas, louças e crianças, sovava-se pão, cortava-se carne e fazia-se licor. Fiquei sabendo que para a sua versão menor, e mais rasa, deu-se o nome de alguidarzinho ou “mata-fome”, peça utilizada como prato para servir alimentos.
E ali, entre vasos, gamelas, caçarolas e alguidares parei de contar o tempo, tomada pelas cores, texturas e formas da arte louceira de Tatá. Comecei a separa as peças que queria levar comigo e, ao manipulá-las, fiquei com vontade de conhecer mais profundamente a trajetória de Tatá.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_c6cf65762889432facf0a6766bd6ad07~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_98,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_c6cf65762889432facf0a6766bd6ad07~mv2.jpg)
Sempre admirei aqueles que encontram a sua paixão e, corajosamente, decidem depositá-la em suas mãos, revelando para fora uma arte que já existe dentro. Meu coração me pedia para acessar a história de vida deste artesão e, então, perguntei:
- “Você sempre trabalhou com o barro?”
E foi assim que a história se revelou, e o meu dia se transformou!
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_c383bdcdf1774c71b2fcea018282d49b~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_c383bdcdf1774c71b2fcea018282d49b~mv2.jpg)
- “Eliatar Silva” é meu nome, aos 19 anos comprei um taxi e durante 10 anos ele foi o meu oficio. Em 1972 vendi o carro e comprei a minha loja no mercado, e lá se foram mais de 30 anos” – disse ele.
Depois, Tatá contou que nos dez primeiros anos de loja trabalhou revendendo peças de outros oleiros. Até que um dia seu filho mais velho lhe deu a ideia de fazer a própria produção. Ele resolveu ouvi-lo e, assim, iniciou o seu oficio de oleiro.
Com o tempo, Tatá contratou um oleiro auxiliar que veio da cidade de Tubarão, Santa Catarina, para ajudá-lo.
A conversa foi fluindo e nos conduziu para a sua fábrica, no segundo andar da olaria. Na escada, peças de barro cru e tijolos de argila “decoravam” o espaço enquanto aguardavam as mãos dos oleiros para serem moldadas.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_59c0513800994c59bcb4b7695423939c~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_59c0513800994c59bcb4b7695423939c~mv2.jpg)
E à medida que entrávamos, percebia que a luz penetrava ainda mais forte pelas janelas da olaria incidindo sobre as peças. Hipnotizada senti vontade de registrar tamanha beleza, pedindo permissão para fotografar o espaço.
A partir daquele instante o comum se tornou raro, e percebi que o momento seria único e mereceria ser contado.
Enquanto caminhávamos pela olaria, Tatá nos apresentava as etapas do seu processo de produção, revelando que a sua matéria prima é proveniente de cidades catarinenses: para as peças refratárias a argila é retirada de uma região entre Barreiros e Palhoça; e o barro vermelho vem de Canelinha.
Seguimos em frente, passando por um espaço onde as peças ficam acomodadas antes de irem para o forno aguardando a sua secagem natural.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_ee5963b4a62642e49eac958df8710dee~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_ee5963b4a62642e49eac958df8710dee~mv2.jpg)
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_2d4d7a30302a466d86e71a81b0b6a883~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_2d4d7a30302a466d86e71a81b0b6a883~mv2.jpg)
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_8859633fdf374c039f78b1284ebbd469~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_98,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_8859633fdf374c039f78b1284ebbd469~mv2.jpg)
Dirigimos-nos para a parte da moldagem onde conheci Leonardo, oleiro experiente que me mostrou, com uma riqueza de detalhes e uma precisão admirável, a sua arte de fazer tigelas em barro. Primeiro, ele dividiu os tijolos em blocos menores para, depois, fazer a moldagem. Minutos depois, a criação estava pronta nas mãos do criador.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_4dd21a95d7f5490da50e566c5ef6012d~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_4dd21a95d7f5490da50e566c5ef6012d~mv2.jpg)
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_4e72c31625014f8499eaacbaf493f027~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_4e72c31625014f8499eaacbaf493f027~mv2.jpg)
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_5daffab2bcc64e039cdfb387f05dd82b~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_5daffab2bcc64e039cdfb387f05dd82b~mv2.jpg)
Próximo dali avistei Mauro, o ajudante de oleiro que, em silencio, fazia recortes em luminárias com destreza e agilidade.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_79f11fa49167489d919f61654ed6ca02~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_98,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_79f11fa49167489d919f61654ed6ca02~mv2.jpg)
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_969ef205ac454b44a3b708fd7a539214~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_969ef205ac454b44a3b708fd7a539214~mv2.jpg)
Rosalino não estava por lá, mas também foi mencionado na conversa. Ajudante de oleiro,é responsável pelo preparo do barro, uma etapa fundamental do inicio da produção. É ele quem mistura, amassa e passa o barro pela maromba para, depois, transformá-lo em tijolos.
Também conheci Adilson (foto ao lado), responsável pela etapa de acabamento das peças em barro, trabalhando nas etapas de pintura e vitrificação.
O “passeio” pela olaria e a conversa descontraída me encheram de coragem para fazer um pedido especial à Tatá. Pedi que ele nos mostrasse a sua habilidade com o torno e, tomando acento em frente ao seu companheiro de oficio, toou o barro nas mãos e, concentrado, começou a modelá-lo.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_96009fd8918d4acea5391ecbaead8604~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_96009fd8918d4acea5391ecbaead8604~mv2.jpg)
À medida que o barro escorregava com sutiliza entre os dedos o semblante sério de Tatá ia se transformando, dando lugar para sorrisos, olhares recheados de prosa.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_dd598b6778434796b7f895255b9e6b9f~mv2.jpg/v1/fill/w_124,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_dd598b6778434796b7f895255b9e6b9f~mv2.jpg)
Enquanto dava forma ao barro Tatá fez questão de dizer do apoio que recebeu de sua família durante sua trajetória como oleiro. Contou que Olivia, sua companheira há 30 anos, é quem pintava as peças e cuidava da loja ao seu lado e que acabou se afastando para cuidar de um familiar. E que a sua filha Tais atua na loja desde os seus 12 anos de idade, auxiliando nas compras, no atendimento aos clientes e na organização da fábrica. É ela quem pretende dar continuidade ao sonho do pai e, para tanto, fez questão de aprender cada etapa do processo de fabricação. Apesar de ser formada em educação física e estar concursada, dedica meio turno de seu dia à olaria, sua grande paixão.
Chegando ao final de nossa visita, Tatá confessou que por detrás de sua paixão pela arte louceira, vivencia dificuldades que vão desde a desvalorização do oficio de oleiro até a dificuldade de se encontrar profissionais experientes para o auxiliarem. Também mencionou a existência da concorrência entre o feito à mão e o produto industrial, que muitas vezes prejudica a manutenção do artesão.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_9ad8d821bade41c2b2cacfa80bec9a61~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_9ad8d821bade41c2b2cacfa80bec9a61~mv2.jpg)
Quanto ao futuro?
Tatá afirma sentir incertezas, temendo que a arte em barro possa não se sustentar por muito tempo. Mas, otimista, faz questão de reiterar a sua persistência em manter a olaria aberta e o seu sonho de pé.
Assim nos despedimos de Tatá, levando conosco a beleza do barro, uma matéria prima que vem da natureza e que, pelas mãos do oleiro, se permite ser moldada.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_3ac2354277444dc48341f6710a371d35~mv2.jpg/v1/fill/w_117,h_175,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_3ac2354277444dc48341f6710a371d35~mv2.jpg)
O que fica para mim?
Prefiro expressar em poesia:
Terra, barro,
barro e mãos,
massa, molde, criação.
Da natureza nasce a matéria-prima,
da necessidade humana a arte se cria.
Nascem vasos onde as flores serão mais bonitas,
E a arte louceira se cria em possibilidades infinitas.
O barro vira vaso, louça, alguidar,
a cerâmica vira arte,
uma arte cheia de histórias para contar.
Terra, barro,
oficio, arte, legado.
E o oleiro insiste em sua criação,
colocando nas mãos toda a energia de sua paixão.
![](https://static.wixstatic.com/media/2409c4_a102973e0627415b88c11059667bbe22~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_98,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/2409c4_a102973e0627415b88c11059667bbe22~mv2.jpg)
Que a arte dos oleiros seja cada vez mais vista e concebida como herança e referencial cultural, como uma expressão da identidade de nosso povo.
E se você quiser conhecer um pouquinho mais desta arte que vem do barro, vista pelos olhos de uma menina, acesse o blog da Aninha. Lá ela irá te contar o que enxergou com os olhos e com o coração. Acesse: www.aninhapelobrasil.com.br/blog
Com carinho,
Ana Paula Dreher.
Texto e imagens de arquivo pessoal, de junho de 2013.